sexta-feira, 15 de junho de 2007

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A Terra exerce a sua força sobre o corpo de Gabriel, e a fadiga obriga-o a ceder. A intermitência das pálpebras inibe as certezas e torna vaga e difusa a vida para além do seu corpo. Como é bela a ignorância. Bela e escura, sulcada por trilhos de luz inintelígiveis. A sensação de que não existe mais nada; fechamos os olhos e tudo desaparece. A ignorância é onde nos escudamos dos problemas. Porque só temos obstáculos se os virmos lá, se soubermos que eles estão lá. Senão tropeçamos e levantamo-nos, como se não fosse nada. Nem damos por isso.

Vai contra a natureza humana. Porque, quando nascemos, nada temos de humano. Nascemos nas trevas claras do saco amniótico. Aprendemos a andar, a falar, a desiludirmo-nos, a trautear músicas no chuveiro, a usar de cadeiras para súbir a prateleiras mais altas, a gastar dinheiro em slot machines. Aprendemos tanto, erramos tanto. Às vezes só apetece fechar os olhos. Voltar ao momento inicial.

Fora de nós as coisas acontecem como nós saberíamos que elas acontecem se não optássemos pela ignorância. O chão devora os degraus da escada rolante. Os segundos passam. Os minutos também. Algumas pessoas discutem um escandâlo político qualquer. Alguém passa a correr, resmungando

- Chega para lá!

Seremos certamente obrigados a abrir os olhos, mais tarde ou mais cedo. E se esse momento chegar, então que seja como da primeira vez. Que seja tudo novo, mesmo o que é velho, mesmo aquela escultura na estação de metro, sempre igual, sempre pedra, sempre abstracta.

Completo aqui.

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